Dentre os mais variados mitos africanos, podemos destacar a relação entre os ferreiros e os deuses para os Mbundos como uma relação privilegiada. Neste contexto encaixa-se um personagem cujo título Ngola tem origem nos “pedaços de ferro”. Neste universo Mbundo, destacava-se a linhagem dos Jingola (Plural de Ngola). Podemos destacar que o reino do Ndongo é o território no qual os povos liderados por seus Sobas aceitam a liderança do Ngola, uma autoridade que centralizou o poder, garantindo a expansão da agricultura e consequentemente da população.
Até a primeira metade do séc.
XVI, os reinos do Ndongo e Matamba eram “vassalos” do maniCongo, soberano do
reino do Congo. As tributações e as campanhas de captura de prisioneiros
incentivado pelo tráfico de escravizados com os portugueses, permitiram a
chegada de armas de fogo e o fortalecimento da militarização nestes reinos,
culminando em intensas guerras e desvinculação destes reinos com o maniCongo.
Um exemplo foi a grande invasão do Congo pelos Jagas em 1568, que acabou expulsando
o maniCongo d.Álvaro da sua capital. Os jagas são um provável resultado desta
cultura crescente de captura de prisioneiros para o tráfico realizada entre os
Reinos Africanos e Europeus.
Não há uma definição exata sobre
os jagas, porém, acredita-se que estes grupos de guerreiros se formaram a partir
da reação da captura das povoações mais distantes do reino do Congo. A
existência de um ritual de inicialização na infância, traz a ideia de
desvinculação do jaga com as estruturas sociais dos reinos captores. Os jagas
são grupos guerreiros nômades, cujo ritual de inicialização desvinculava o
guerreiro da sua antiga cultura, sendo ele agora obrigado a seguir as ordens do
chefe do Kilombo. Os Kilombos eram estruturas militares, ou seja, eram
acampamentos altamente hierarquizados. Confundidos com os jagas do séc. XVI, os
Mbangala também foram grupos guerreiros que vão participar ativamente da
história angolana.
Com um reino do Congo cada vez
mais receoso com o tráfico de escravizados, os portugueses buscam fomentar a
independência do Ndongo e eles o conseguem no ano de 1556. A busca por mais escravos
e pelo ouro na região, fez com que Portugal busca-se uma aproximação maior com
o Ngola, um exemplo foi a fundação da cidade São Paulo de Luanda em 1576 – uma busca
portuguesa de aumentar o contato com a população local, ampliando suas relações
comerciais e permitindo aos jesuítas o emprego das suas missões de
catequização.
Os portugueses iniciaram um
processo de colonização na região, criando a capitania de Luanda, o que desagradava
ao Ngola do Ndongo, começava aí um grande período de guerras entre Ndongo e
Portugal. A guerra foi a formalização portuguesa de dominação ao território
Ndongo. Neste processo, os portugueses fizeram sucessivas alianças com os sobas
(chefes locais) descontentes com a postura do Ngola. Este conflito acabou fornecendo
mais prisioneiros aos portugueses, que tinham um grande interesse na captura e
escravização destas populações africanas.
Os presídios, eram construções portuguesas
fortificadas no interior africano, com o objetivo de comercializar pessoas
escravizadas, levando-as até o litoral rumo à América. Construí-los era uma
estratégia de dominação portuguesa, pois à medida que havia um presídio
construído, a relação entre Portugal e os sobas locais, aumentava,
enfraquecendo o poder do Ngola. Na década de 1620, o poder do Ngola estava
enfraquecido, ele havia sido expulso da sua capital, em parte graças a relação
dos portugueses com o Jaga Cassange, do povo Mbangala, o problema, é que o
Cassange tinha se tornado uma força autônoma a dos portugueses.
O domínio do Jaga Cassange enfraquecia os sobas e o comércio português, assim como o do Ngola Mbandi. Para buscar um acordo, em 1622, o Ngola Mbandi envia sua irmã mais velha, Nzinga Mbandi, ao encontrar o governador português, Nzinga mostra destreza ao se portar como igual ao governador, demonstrada na famosa cena da cadeira. Deste acordo com Portugal há o batismo de Nzinga, cujo nome português, Anna Sousa, era em alusão ao governador português, seu padrinho João Correia de Sousa. Além da promessa de parceria com Ngola no combate contra os “jagas”. Apesar disso, Ngola Mbandi não aceitou o batismo, continuando isolado na ilha de Kindonga. Entre 1623 e 1624 ele morreria, as causas não são claras, mas existe a possibilidade de ter sido um “suicídio político” dado ao seu enfraquecimento como Ngola. Sua irmã, Nzinga Mbandi seria a nova soberana do Ndongo.
O início do reinado de Nzinga começa
com uma grande fuga de fugidos, em grande parte kimbares, ou seja, guerreiros
treinados pelos sobas como pagamento de tributo aos portugueses. Essa fuga de kimbares
para a proteção de Nzinga, aumentava o poder militar do Ndongo. Desta forma,
Portugal tenta em 1626 enfraquecer o poder de Nzinga, seja concedendo perdão
aos Kimbares que retornassem ou criando um Estado Fantoche com um Ngola vassalo
ao Maniputo (como era chamado o rei português pelos Mbundos). Enquanto Ngola
Are ascendia a poder do Ndgongo apoiado pelos portugueses, Nzinga mantinha-se
firme na sua resistência, graças a relações complexas com os Mbangalas
(principalmente com o jaga Cassange). Como Jaga, Nzinga vai acabar formando um
reino em Matamba, graças a sua capacidade de manter a liberdade dos povos
aliados. É através da criação deste reino em Matamba, que Nzinga consegue manter-se
como soberana, prosperando com a chegada dos holandeses e tornando-se um misto
de Ngola para os Mbundos, Jaga para os Mbangalas e cristã para os portugueses. Em
1641, a cidade de Luanda foi tomada pelos portugueses, e Nzinga decide ficar do
lado dos holandeses, pois via com uma possibilidade maior de negócios com estes. Em 1648 o brasileiro Sá e Benevides liberta Luanda, começando aí as
Guerras Angolanas. Em 1656 Nzinga assina um tratado de paz com os portugueses,
aceitando o cristianismo e mantendo relações de comércio com Luanda. Em troca,
o reino Matamba permaneceria independente. Nzinga morreria pacificamente em
1663, mesmo com as tentativas de assassinato promovidas por portugueses e pelo
Janga Cassange. Ela buscou deixar o trono para a sua irmã, Macumbe, cujo nome
cristão era Bárbara. Por 60 anos o Reino Matamba seria governado por mulheres.
Referências:
FONSECA, Mariana B. Nzinga Mbandi e as Guerras de Resistência em Angola. Séc. XVII. Orientador: Marina de Mello de Souza. 2012. 177 p. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
VAINFAS, Ronaldo; FERREIRA, Jorge; FARIA, Sheila de Castro; CALAINHO, Daniela Buono. História.doc. 2. ed. São Bento: Saraiva, 2018. 248 p.