ÁFRICA OCIDENTAL NOS SÉC. XVIII E XIXI: OS IORUBAS, HAUÇÁS E O DAOMÉ

 



África Ocidental no tempo da escravidão

O domínio de Portugal no Oceano Índico terminaria no séc. XVII. Os Holandeses tinham uma quantia e qualidade maior de navios, proporcionando sua expansão para as Índias. Junto a eles vieram os Ingleses e Franceses. Com isso, os entrepostos na costa oriental da África foram desaparecendo, e já no séc. XVIII os muçulmanos haviam dominado grande parte do comércio naquela região. Portugal se limitaria ao litoral norte do atual Moçambique.

Então, quando falamos do continente africano e sua relação comercial com os europeus a partir do séc. XVIII, estamos falando o tráfico de escravos na costa ocidental, desde o Senegal até o Congo. Nesta região, nós temos novos reinos africanos se formando e a continuidade do comércio de escravizados para a América. Ao contrário da relação de Angola com Portugal, nesta região haverá uma concorrência maior entre os europeus, como ingleses, franceses e holandeses pelo comércio de cativos para a América.

Na região chamada de Costa da Mina, dois reinos dominantes começaram a comercializar com os europeus. Um destes reinos era Daomé o outro era o Reino de Oió. Por muito tempo o reino de Oió e o de Daomé entravam constantemente em conflito, motivados pela necessidade de captura de prisioneiros para o comércio com as Américas. Abastecidos com armas europeias, os reinos de Oió e Daomé se tornaram tão eficientes no comércio de escravizados, que o fluxo de cativos só era menor que o de Congo e Angola. Os povos vizinhos a estes reinos e suas próprias populações, foram as mais afetadas. Povos pertencentes a grupos linguísticos como os gbe ou aja-ewe ou fon, dos povos hulas, huedas, aves, adjas, aizos entre outros eram capturados por Oió. Em compensação, o Reino de Daomé capturava vilarejos próximos ou pertencentes ao Reino de Oió de línguas Iorubá como os egbas, egbados, saves, anagôs. Na Bahia os de tronco linguístico gbe ficarão conhecidos como jejes e os de língua iorubá como nagôs.

Os Iorubás

As sociedades iorubás coexistiam através de algumas cidades independentes, chefiadas por um Obá (líder local). Destacava-se desde o século VIII a cidade de Ilé-Ifé, centro espiritual dos iorubás, ali o Oni (líder espiritual) era uma autoridade que conseguia influenciar as demais cidades iorubas. Porém, a partir do séc. XVII os Obás passaram a reconhecer o poder do líder da cidade de Oió, chamado de Alafim (Senhor do Palácio), e a estrutura de poder acaba se transformando. A cidade ou reino de Oió, passou a dominar vilarejos e cidades vizinhas, tornando-se um Império. A partir do final do séc. XVIII, diversos Obás da região, vão buscar tornar-se alafim da região, fragmentando o poder local novamente. Um dos homens poderosos do Reino de Oió chamava-se Afonjá. Derrotado na disputa pelo poder de Alafim em 1796, Afonjá vai se aliar a um fulani chamado Alimi, que pregava o islamismo na região. Juntos, Afonjá e Alimi vão fortalecer um movimento de revolta dos escravos, muitos dos quais eram hauçás, fazendo com que o Reino de Oió enfraquecesse no conflito.

Com o poder fragmentado por disputas internas, alguns estados vassalos de Oió, como o Reino de Daomé, vão buscar através do comércio direto com os europeus, fortalecer-se economicamente. Um outro reino Ioruba importante foi o do Benin, através do seu porto de Lagos, um grande fluxo de escravizados era comercializado com os europeus.

Os europeus entravam em contato na região construindo grandes fortes, permitindo a troca comercial com as nações locais. Mercadorias como cavalos, objetos de cobre e vidro, cachaça, fumo, armas de fogo, entre outros, eram os principais artigos a serem trocados pelos escravizados. O porto de Ajudá, por exemplo, tinha no mínimo quatro fortalezas; portuguesa, holandesa, inglesa e francesa. Essas relações aumentavam o clima de insegurança na região.

O Daomé

O comércio de escravizados na região da Costa da Guiné, acabou transformando as relações entre os povos locais. Vivendo em Aladá, povos de língua Fon tiveram que fugir devido a perseguição do Reino de Oió, interessando na captura e venda de prisioneiros para os europeus. Refugiados, estes povos criam uma capital, chamada de Abomei. Mesmo fortalecidos na figura de um rei, Abomei teve que se tornar um estado vassalo de Oió, mantendo por muitos anos o pagamento de tributos. Apenas em 1820 que o Reino de Daomé conseguiu sua independência completa do reino ioruba.

Em 1722 através do rei Agaja, Daomé vai começar a expandir seus domínios, invadindo inclusive primeiramente Aladá (sua antiga capital) e anos depois Ajudá, na época pertencente ao reino de Benin. Esta conquista resume a relação entre os reinos africanos desta região e o comércio de escravizados. Ao entrar em Ajudá, o soberano Agaja (cujo título era Dadá – pai de todos) vai entrar em contato com traficantes ingleses, permitindo privilégios no comércio de escravizados com seu reino. Para o reino de Daomé, a prática de guerra era fundamental para a sua existência. Desde os 8 anos de idade já iniciava o recrutamento de jovens, eles se tornariam carregadores dos soldados. Antes de se tornarem combatentes, os jovens já experimentavam toda a rigidez da rotina de guerra. Ao contrário dos combatentes de Oio – especialistas no combate de cavalaria – os soldados de Daomé eram melhores a curta distância, dominando o uso de mosquetões e armas curtas de ferro.

Entre os mais famosos Dadá de Daomé está Guezo, que chegou ao poder destronando seu irmão Adandozan em 1818. Ele vai manter-se no poder por 40 anos, de forma centralizada na sua figura, conseguindo inclusive, libertar-se completamente do Reino de Oió em 1820. Um dos grandes beneficiados com Guezo foi o traficante de escravos brasileiro, chamado de Francisco Félix de Souza, que acabou se tornando chachá do Daomé, conseguindo privilégios na área comercial.

Os Hauçás

Os povos hauçás viviam próximos ao deserto do Saara, numa região do Sudão Central. Eles viviam de forma descentralizada, porém uma das suas principais cidades chamava-se Kano. Os hauçás viviam do comércio e eram local de passagem de vários comerciantes de outras regiões, o que permitiu inclusive a islamização dos seus principais líderes, o que não acontecia com o seu povo, que mantinha suas crenças tradicionais - provavelmente essa islamização se dava por interesse. Um dos grandes objetivos dos Hauçás era a cobrança de impostos sobre estes comerciantes, para isto, os hauçás sempre tiveram que se manter fortes militarmente, garantindo a segurança das caravanas que por ali passavam.

Com o aumento do comércio de escravizados, os hauçás passaram a ser intermediários destes cativos, além de tornarem-se vítimas deste comércio. É neste contexto, entre os séculos XVIII e XIX, que os hauçás vão ser influenciados por um grande movimento de expansão religiosa na região – diversos chefes muçulmanos passaram a acreditar que um messias seria enviado por Alá para liderar o fim dos tempos.

Um grande líder fulani, chamado Usuman Dan Fodio, será um destes pregadores do islamismo. Ele criticava fortemente os chefes hauçás por não serem muçulmanos de verdade, já que diversos escravizados muçulmanos eram comercializados por eles, as mulheres não usavam véus, os homens não usavam turbantes e os chefes se casavam com mais de 4 mulheres. Essas desobediências aos preceitos do islamismo fomentavam Usuman Dan Fodio e seus seguidores a declarar uma Jihad contra o governo do xeque hauçá chamado Gobir no ano de 1804. Após diversos confrontos na região, Usuman Dan Fodio vence em 1812, tornando-se califa de um grande império Hauçá, chamado de Califado Sokoto. Este califado vai dominar diversos territórios dos Nupe, dos Oió e de Borno. As razias realizadas por Sokoto, vai abastecer o comércio de escravizados tanto do Saara quanto do Atlântico, assim como do próprio reino.

O Tráfico no Atlântico e a África Ocidental

Podemos perceber que o tráfico de escravizados transformou regiões marcadas pela variedade étnica com governos descentralizados, em reinos fortes e centralizados, voltados para a prática do comércio de escravizados. Desta forma, estes reinos centralizados, são os primeiros a serem observados quando pensamos no tráfico de pessoas no Atlântico, pois era através deste comércio que eles se mantinham ricos e poderosos. Porém, outras categorias são importantes para a manutenção deste comércio, como a dos “caçadores”, grupos de mercenários que buscavam saquear e capturar pessoas de vilarejos mais fracos e distantes dos grandes reinos. Portanto, podemos concluir que eram estas populações do interior da África que mais sofreram neste processo, pois estavam mais suscetíveis as políticas de captura dos grandes reinos e da caçada dos grupos e mercenários. Os impérios europeus não entravam no continente para capturar os escravizados, porém, eram elementos essenciais neste processo de transformação dos reinos da África.

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