A ERA DAS REVOLUÇÕES - DO TRATADO DE VIENA A PRIMAVERA DOS POVOS DE 1848

 


A imagem acima representa A Liberdade guiando o povo (1830-1831). Realizada por Eugène Delacroix, a pintura expressa a insurgência de julho de 1830, um movimento da sociedade francesa contra as ações do rei Carlos X, que elevou os preços dos gêneros de primeira necessidade a partir de medidas reacionárias em favor da aristocracia – como o retorno do ensino eclesiástico, o fortalecimento da censura, a restrição ao voto e a dissolução do parlamento francês.

Assim como a pintura de Delacroix, diversas formas de criação artística e literária (como os Miseráveis de Victor Hugo) vão se manifestar neste período, marcando um movimento sociocultural que ficou conhecido como Romantismo. Os pensadores românticos buscavam contrapor o pensamento iluminista, valorizando em suas obras, o sentimento e a imaginação, pregando a liberdade de expressar as emoções em versos livres, cores vivas e peças musicais, carregadas de sentimentos pessoais e com fervor nacional. A sua visão de mundo geralmente era marcada no credo em uma construção social justa e harmoniosa.   

Desde a derrota de Napoleão e o Congresso de Viena, nós temos na Europa uma tentativa de restauração dos regimes absolutistas no continente, liderado pelo príncipe austríaco Klemens Von Metternich. Monarcas são recolocados no poder (como Luís XVIII na França) e privilégios da nobreza e do clero são restabelecidos. Porém, tudo isso ocorre num contexto em que as mudanças promovidas pelas Revoluções Industriais e Francesa já eram irreversíveis. A industrialização havia avançado assim como o sistema capitalista, a burguesia, e os ideais liberais. Por outro lado, a classe trabalhadora também havia se expandido e tinha suas próprias demandas. É nesse contexto que nós vamos adentrar num período conhecido como ‘A Era das Revoluções’.

A missão do movimento antirrevolucionário que emerge com força a partir do Congresso de Viena é trazer paz e estabilidade às nações europeias, baseadas principalmente na busca por um certo equilíbrio de forças entre as monarquias. Neste contexto, o príncipe Metternich tentava através da estabilidade política, manter controlados os ideais nacionalistas e liberais. Entendamos que o Liberalismo econômico se origina no Iluminismo e iria de encontro aos interesses da burguesia, principalmente no plano econômico, a ideologia liberal pregava a liberdade das atividades produtivas e comerciais, sem a interferência do Estado, que deveria apenas garantir o direito de propriedade e de livre-iniciativa individual, através de um conjunto de leis com esta finalidade. Por isso, no campo político, o liberalismo contestava o direito divino dos reis e os privilégios da nobreza e do clero. Havia de fato, vários movimentos liberais distintos, uns mais reformistas e outros radicais, porém, em ambos os movimentos, não existia uma ideia de igualdade social e participação política de todas as camadas da população. Essa distinção de ideais para a sociedade vão permanecer durante todo o período. Enquanto os conservadores ou restauradores queriam manter a ordem absolutista, os liberais defenderiam o fim desta ordem, limitando o poder dos monarcas e garantindo a liberdade das atividades produtivas e comerciais. Por fim, os trabalhadores passariam a lutar por melhores condições de vida.

A primeira onda revolucionária ocorre no início da década de 1820, onde nós temos as revoluções liberais do Porto em Portugal, que faz retornar o rei d.João VI do Brasil para Portugal, além de revoltas na Espanha e na Grécia (esta última consegue sua independência em relação ao Império Otomano em 1828). Na América, os movimentos de libertação frente as metrópoles europeias ganha força e muitas nações surgem no continente. A segunda onda revolucionária ocorre entre 1829 e 1834, com eventos na Rússia e nos EUA. Na Europa, nós temos além da insurreição francesa, processos de Independência da Bélgica em relação à Holanda em 1830, as revoltas na Polônia em 1830-1831 e o início de agitações liberais em partes da Itália e Alemanha. Até mesmo o Império Britânico será atingido pela Revolta Liberal em 1832, a partir da concessão da emancipação católica aos irlandeses.

A insurreição de 1830 na França, foi o principal levante popular deste período, onde os liberais contaram com a participação da pequena burguesia e dos trabalhadores franceses, o movimento foi marcado pelo descontentamento em relação as políticas reacionárias de Carlos X, o rei francês que havia sucedido Luís XVIII. Esta insurreição vai marcar a deposição de Carlos X em favor de Luís Filipe I, que vai reprimir os grupos populares destas revoltas e limitar as mudanças apenas aos interesses da burguesia. Podemos dizer que esta onda revolucionária de 1830 marca de forma definitiva a derrota da aristocracia europeia em favor do domínio da grande burguesia, formada por banqueiros e industriários, que não eram ameaçados pelo sufrágio universal, garantindo a baixa participação de cidadãos nas eleições. Na França, por exemplo, eram apenas 168 mil votantes, numa população estimada em 30 milhões de habitantes. Apesar disso, a década de 1830 vai representar o aparecimento da Classe operária como força política autoconsciente e independente na Grã-Bretanha e na França, e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa.  

A terceira onda revolucionária foi programada para 1848, sim, diferente das Revoluções do século XVIII, as Revoluções do séc. XIX eram muito mais planejadas e organizadas a ponto de sabermos quando elas eclodiriam, graças aos conjuntos de modelos e padrões de sublevação política que se estabeleciam para uso dos revoltados de todo mundo. Em 1848 nós observaríamos uma onda revolucionária que acontecerá de forma independente em diversos lugares da Europa. Essas explosões revolucionárias ficarão conhecidas como Primavera dos Povos.

Enquanto no Império Britânico a crise industrial havia afetado sua sociedade em 1841-1842, promovendo movimentos que se fortaleciam desde a década de 1830, como o socialismo de Owen e o Movimento Cartista, outras nações como a Rússia e as da península ibérica, não haviam fortalecido sua classe trabalhadora a ponto de haver uma significativa movimentação popular nestas regiões em 1848. Porém, nós vamos observar diversos movimentos em 1848 no restante do continente, resultados de crises na produção agrícola que afetariam severamente o preço dos gêneros básicos. As revoltas de 1848 serão basicamente revoltas populares, descontentes com a sua situação precária. Essas revoltas serão marcadas por interesses e ideologias distintas. Enquanto a burguesia lutava pela consolidação das ideias liberais, buscando a expansão da produção e do comércio, alguns grupos mais pobres buscavam as transformações sociais, seja com a implementação da democracia, de ideais internacionalistas (socialismo, comunismo e anarquismo) e nacionalistas.  

Irrompendo-se de forma instantânea em diversas regiões da Europa quase ao mesmo tempo, as revoltas de 1848 iniciam com movimentos vitoriosos, mas que foram derrotados a partir de ações reacionárias. Ela ocorreu na Hungria, na Áustria, nos governos italianos e alemães, na Prússia e teve como centro nervoso a França. Capitais foram retomadas, como Viena e Berlim, custando a vida de milhares de revoltosos, na maioria das vezes trabalhadores, sem contar as inúmeras prisões e exílios. A França, grande centro revolucionário europeu, contentou-se em ceder apenas a sua inspiração aos demais movimentos revolucionários, por isso, grande parte das nações europeias serão baseadas na bandeira tricolor francesa. O movimento francês ocorre a partir de um movimento burguês que promovia banquetes públicos para difundir suas ideias liberais e democratas as camadas populares. Ao impedir a realização de um destes banquetes, o rei Luís Filipe I vai provocar uma forte reação popular. Em 23 de fevereiro de 1848 Paris amanhecia repleta de barricadas e o confronto em Paris resultaria na queda da monarquia francesa no dia seguinte.

A Segunda República Francesa reuniria os conservadores, os liberais, os democratas e os socialistas. Porém, essa diversidade de interesses e ideologias vão entrar em choque no mês de junho de 1848.  A partir daí, nós temos uma fuga dos liberais moderados, que buscaram unir-se aos conservadores formando um partido de ordem. Os trabalhadores viram-se isolados na insurreição de junho daquele ano, sendo que mais de 1500 morreram nas barricadas de Paris, dois terços sendo de aliados do governo. A vingança dos ricos com relação ao ódio nutrido aos pobres viria após a derrota do movimento de 1848, com mais de 3mil trabalhadores mortos e 12 mil aprisionados, sendo que muitos haviam sido enviados para campos de trabalho na Argélia.  Apesar de vitoriosos, aquele partido da ordem, capaz de derrotar a revolução social, não seria capaz de conseguir o apoio das massas, que conseguira uma participação política muito maior nas eleições de 1851, elegendo o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luís Napoleão, cuja postura associada contra a alta burguesia cativou seus eleitores.

A Primavera dos povos foi um fenômeno social, talvez o mais importante do séc. XIX, pois representou o golpe final no Antigo Regime, evidenciando que o liberalismo, a democracia política, o nacionalismo e até mesmo a classe trabalhadora, permaneceriam no panorama político.


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