A REVOLUÇÃO DO HAITI


O Haiti atualmente é um dos países localizados na Ilha de Hispaniola ou São Domingos (já explico a origem destes nomes). Dividindo a ilha com outro país, a República Dominicana. Não é o objetivo me aprofundar no tema atual neste momento, porém o Haiti enfrenta uma grave crise econômica, política e principalmente social. Os efeitos são históricos e foram criados em grande parte por fatores externos, que não contribuíram para uma estabilidade política interna. Apesar disso, o Haiti nos deixou um grande legado na luta por liberdade. Por isso, vamos analisar a Revolução do Haiti.

Em 1492 Cristóvão Colombo chega nesta ilha caribenha, no qual a nomeia de Hispaniola, em razão do patrocínio da Coroa espanhola a sua expedição. Existiam povos nativos na ilha, de origem Aruak, um dos troncos linguísticos nascidos na Amazônia. Estima-se que antes da chegada de Colombo, havia entre 200 e 300 mil habitantes da etnia Taino (pertencentes ao grupo linguístico Aruak). Este povo chamava a região de Haíti (montanhoso). O processo de conquista espanhola, como a chegada dos jesuítas, a escravização, transmissão de doenças e conflitos com os locais, provocaram uma catástrofe humana na ilha sendo que em 1530 apenas 500 indígenas haviam sobrevivido.

A ilha vai se tornar um ponto de passagem por alguns anos, a colonização é abandonada pelos espanhóis em 1606, porém a ameaça de corsários franceses e piratas ingleses, força a Espanha a tentar retomar a ilha e inicia-se um conflito com as outras nações em 1630. Deste conflito nós temos em 1665 o início da colonização francesa, esta que implementa as plantations de açúcar e a mão de obra escravizada africana a partir de 1685. O café também seria introduzido no início do séc. XVIII. No séc. XVIII a colônia de São Domingos vai se tornar altamente lucrativa devido as suas plantations, principalmente de açúcar, nas quais quase metade da produção mundial saía da ilha.
 

A partir daí nós podemos perceber a construção de uma configuração social na região. Onde havia um grupo dominante, cujos membros eram classificados pela cor, origem étnica, religião. Desta forma nós temos dentre os europeus a classe dos Blancs (brancos franceses ou de origem francesa). Eles detinham o domínio das plantations e dos cargos públicos mais relevantes. E como último grau desta pirâmide social estavam os negros escravizados, a grande maioria. Numa posição intermediária nós temos os mestiços e os libertos.

A escravidão era um elemento muito importante para a economia de São Domingo. Os escravizados viviam sob o Code Noir (Código preto) o que lhes impunham uma severa violência e um status de produto, assim como eram os escravizados das demais colônias americanas. A violência extremada trazia o rancor e o sentimento de luta por liberdade. Antes mesmo da metade do séc. XVIII começam a eclodir diversas Revoltas Maroons, tanto na ilha de São Domingo como na ilha de Jamaica. Algumas representações destas revoltas podem ser percebidas no jogo Assassin’s Creed Freedom Cry. Mas estas revoltas – com a de Mackandal – não evitam que a ilha de São Domingos se transforme na grande pérola do Caribe. Sua economia baseada na plantation elevava a proporção de 10 escravizados para 1 branco.

A partir de 1788 nós temos um tensionamento político na região. A elite dos Grand Blancs (proprietários das plantations) começam a reivindicar participação do Conselho dos Estados Gerais da França. Com a Revolução Francesa e a iminente extinção da escravidão, grupos de Blancs vão se articular para evitar o fim da escravidão na ilha. Da mesma forma, nós começamos a perceber em 1790 movimentos pró-abolicionistas, como o liderado pelo mestiço Vicent Ogé. Em janeiro de 1791 mais rebeliões, como a de Platon são sufocadas. Numa fazendo nós temos 50 cativos degolados como represália e Vicent Ogé é executado.

Mas o movimento revolucionário tem dentro do imaginário haitiano o seu início com uma cerimônia na mata fechada de Bois Caimán. Lá ocorre o ritual que precedeu a Revolução. Liderado pela jamaicano Bouckman, que dentro do rito proferia tais palavras;

O Deus dos brancos ordena o crime. Nossos deuses pedem vingança. Eles guiarão nossos braços e nos darão ajuda. Quebrem a imagem do Deus dos brancos, que têm sede das nossas lágrimas; escutemos dentro de nós mesmos o apelo da liberdade!

Era uma reunião de caráter Vodu e com provável utilização do idioma Creólle – o dialeto falado na região pelos negros e mestiços. Em 1791 o movimento começa com grande violência, de tal maneira que três meses após o evento, Bouckman e outros líderes já estavam mortos. Por outro lado, nós temos um ataque de grupos compostos de mestiços e libertos contra os franceses naquele mesmo mês. Em propriedades do norte da ilha, local mais rico em termos das plantations de açúcar, a revolta escrava ganha força e mais de 100 blancs são assassinados. A violência permanece no ano seguinte, onde diversos conflitos entre os mestiços e blancs e escravos e blancs ocorrem, tudo isso marcado com muita tortura e massacres, realizados por ambos. Naquele mesmo ano um efetivo francês é enviado para a ilha e com a promessa de libertação dos escravos, consegue apoio frente aos blancs, contrários a Revolução e ao fim da escravidão. Esta elite acaba fugindo para colônias vizinhas e para os EUA, o grupo restante articula com britânicos e espanhóis a invasão da Ilha por estes. Neste contexto de invasão de britânicos e espanhóis, dois líderes haitianos se destacam na defesa da ilha contra os britânicos. Falo de Biassou, um dos líderes da revolta escrava e que estava no ritual de Bois Caimán e de seu comandado, Toussaint de Louverture. Biassou era um nascido escravizado, na liderança de grupos étnicos distintos, conseguiu se destacar, porém se considerava monarquista – com a execução de Luís XVI, ele se proclamou Marechal e Vice-Rei da Colônia em 1792. Um de seus subalternos, Toussaint de Louverture, acaba apoiando os franceses na sua retomada de São Domingos, e por isso, leva Biassou a tentar executá-lo. Ao fracassar na sua tentativa, Biassou é ajudado por espanhóis a se deslocar para a Flórida. Desta maneira, Toussaint de Louverture inicia uma campanha de retomada da ilha para os franceses, conseguindo esse feito em 1796, quando é nomeado Governador-Geral. A partir daí Toussaint consolida o seu poder, a tal ponto de poder se manter independente da política francesa, que nesse período passava pela transição do Diretório para o governo Napoleônico. Nesses anos de consulado napoleônico na França, diversos delegados franceses são expulsos ao tentar manter o poder francês na parte ocidental da ilha. Em 1799 o conflito seria entre os mestiços, apoiados pelos franceses e as tropas de Toussaint. Apesar de sofrer algumas derrotas, Toussaint consegue firmar o seu poder, com amplo apoio da população negra, desta forma conseguindo o domínio completo da Ilha em 1800 e vencendo a resistência promovida por Rigaud. Estes conflitos são marcados pelas características comuns dos conflitos da Revolução do Haiti – intensa violência e massacres constantes. As ações de Toussaint na ilha são de promover uma intensificação dos trabalhos de ex-escravizados nas plantations além da militarização no poder.

Com Toussaint no poder, em 1801 nós temos a primeira Constituição autônoma da Ilha de São Domingos. As características desta constituição eram de liberdade, a igualdade e o direito a posse de terras. No ano de 1802, Napoleão envia sob comando do General Leclerc, uma forte força francesa, que tinha como missão restabelecer o poder na ilha. A chegada das tropas francesas desarticula o movimento, já que dois líderes que lutavam ao lado de Toussaint se dividem, Christophe fica ao lado dos franceses e Dessalines permanece na resistência. Junto a Toussaint, Dessalines é derrotado pelas tropas francesas. Toussaint é enviado para a França, onde acaba sendo preso. Na ilha, a notícia de retorno da escravidão acaba unindo grupos de mestiços e negros, e desta forma, sob o comando de Dessalines, Christophe e Pétion, uma grande revolta se insurge e em 1803 os franceses acabam sendo derrotados. Neste mesmo ano, Toussaint acaba morrendo na prisão.

Então, no dia 1º de janeiro de 1804, Dessalines declara formalmente a Independência do Haiti, sendo que no mesmo ano, declara-se imperador Jacques I. Ele termina com o a política de extermínio dos brancos na ilha, em 1804 restavam por volta de 3mil. Dessalines começa uma política imperialista na ilha, buscando seu domínio completo, porém, grupos que eram aliados temporariamente a Dessalines acabam se afastando, e com isso, nós temos um outro governo na ilha, liderados por Pétion, esse era um governo de cunho republicano. Dessalines é assassinado e uma nova constituição é elaborada em 1806.

Até 1820, nós temos diversas revoltas de ex-escravos no Haiti, muito contrários as políticas de trabalho forçado nas lavouras de açúcar – um dos líderes destas revoltas era Goman. Por outro lado, disputas entre Pétion e Christophe, dividiam o Haiti entre uma República ao Sul e uma Monarquia ao norte, Christophe havia se autoproclamado rei Henri I. Esta instabilidade política permite a retomada de parte da Ilha pelos espanhóis, esta parte também vai conseguir a sua independência anos mais tarde, dando origem a República Dominicana. A unificação da porção haitiana irá ocorrer um ano antes deste processo de Independência, quando Boyer assume o poder que era de Pétion, pressiona o reinado de Christophe (que comete o suicídio) consolidando-se no seu poder. O que percebemos aí é que a herança colonial é repassada aos mestiços em sua grande parte. O Haiti buscava o reconhecimento externo, para isso, suprimiu a cultura do Vodu e da língua créolle.

A Revolução do Haiti foi um marco importante para a luta dos escravizados no continente Americano, inclusive, a visita do libertador Simón Bolívar ao Haiti em 1816, resultou na assinatura de um compromisso de promover a libertação dos escravizados nas colônias espanholas quando independentes. O Haiti representa o berço da luta contra a escravidão, porém, essa luta sofreu com um grande silenciamento das nações que viam na ascensão negra uma ameaça. Além do discurso da revolução ter sido banalizado, o abandono das demais nação ao comércio com o Haiti, prolongou os conflitos externos, estagnou a sua economia e deixou como legado atual, uma grave crise econômica e política, que faz parecer que a Revolução tenha sido o único momento de prosperidade do país. A Revolução do Haiti teve uma grande influência no imaginário do escravizado brasileiro e fomentou as lutas de resistência, como a Revolta dos Malês na Bahia e a participação dos negros em diversos movimentos contra a violência do Estado brasileiro. 



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